segunda-feira, 7 de maio de 2012

Homem Pobre

Era mais um dia em que ele acordava sentindo o sol da manhã lhe tocar a face junto à brisa do mar. Levantou-se, espreguiçou-se e procurou ver as horas no relógio mais próximo: cedo demais ainda. Virou para o lado e tornou a dormir.

Uma vez mais a luz do sol lhe incomodou, mas dessa vez decidiu que já havia dormido o suficiente. Ergueu-se novamente e foi dar uma caminhada. Conforme olhava a cidade à sua volta foi constatando qual era o maior problema da mesma: tratava-se de um antro de pobres.

Como bom homem rico, tinha aversão a pobres. Seguia sua caminhada pelas ruas da Zona Sul, ora beirando o mar, ora não, satisfeito por aquela multidão de pobres não se dar ao trabalho de olhar para ele ou cumprimentá-lo. Uns ou outros, menos pobres, saudavam-no de forma sutil e apressada e ele, mui cortesmente, retribuía a gentileza.

Cansado, sentou-se num dos bancos à beira-mar e recolheu um jornal que ali se encontrava. Leu por horas e percebeu que ninguém viera reclamá-lo - era a edição de hoje. Lamentou pelos pobres que viviam deixando suas coisas emporcalhando a cidade e, finda a leitura do que se passava no mundo, levou o jornal à uma lixeira e seguiu sua caminhada.

Olhava com certo sadismo para os pobres que por ele passavam. Os pobres que dedicam suas vidas a ter um saldo positivo no banco ao final do mês coisa que para ele, como homem rico, não tinha a menor importância. Via todos os que passavam em carros apressados, fugindo da pobreza, em direção a trabalhos que detestavam e/ou lhes furtavam a saúde ignorando a paisagem. E lamentava por aqueles pobres, tão pobres que sequer sabiam valorizar aquilo que era gratuito.

Seguiu seu passeio socrático e a cada passo que dava via-se mais cercado de pobreza. Quando deu por si estava no Centro, o lugar mais pobre de todos. Via homens pobres que tinham de usar gravatas e ostentar paletós naquele sol infernal. Tão pobres eram que transitavam por ruas que sequer tinha a capacidade cultural de saber porque foram nomeadas daquela maneira. Deve ser por isso, constatou, que no Centro há tanta rua com nome de país...

Tão rico era que não preocupava-se em trabalhar, apenas passava o dia a observar horrorizado a pobreza que passava diante dos seus olhos. Lamentava. Quando enfim sentiu fome arranjou alguma coisa para comer e repartiu com um cão que decidiu segui-lo. Ao mesmo tempo via homens pobres que faziam questão de devorar, às vezes além do seu apetite, cada centavo que gastaram.

Em dado momento do dia encontrou outros amigos ricos. Sentaram-se à uma praça qualquer e dividiram um drink forte, cena que daria inveja à compositores da MPB. Eram, eles sim, verdadeiros cariocas, ricos e boêmios, a observar a beleza da cidade e ao mesmo tempo lamentar, embriagados, por toda aquela pobreza que a maculava.

Despediu-se dos camaradas quando a hora muito se adiantava, não que para ele isso fizesse diferença. Coincidentemente, cruzou no caminho com pobres voltando para casa, apressados como sempre. Alguns falavam ao telefone e ele pegava trechos aleatórios de desculpas de pobre para não casar com a mulher amada e não estar presente junto aos filhos: primeiro precisamos ganhar dinheiro. Será o melhor para nós. Francamente, pensava, é coisa de pobre se preocupar com dinheiro.

Retornou para seu local de descanso e ficou observando o horizonte, pensando numa solução para acabar com tanta pobreza. Não conseguia formular coisa alguma. Sabia que nos colégios muitos preocupavam-se em se preparar para uma profissão, a qual os preparariam para uma aposentaria, a qual os prepararia para a morte tranquila, sabendo que seus filhos estavam encaminhados para o mesmo ciclo e nenhuma despesa fora deixada para trás. A pobreza é praticamente uma doença genética, pensou.

Cansado de tanto andar e ainda embriagado pela cachaça que tomara recolheu-se sob seu viaduto e, fitando as estrelas que despontavam sobre o mar, dormiu o sono tranquilo dos homens ricos.