sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Bons Vícios

Li na biografia de Eric Clapton a citação de que o mesmo, em dado ponto da sua vida, só não se suicidara por temer sentir falta de beber. Sim, seu vício no álcool era tamanho que foi preciso superar a vontade de morrer para atender aos seus caprichos etílicos. Desde que obtive essa informação cheguei à conclusão de que um homem deve, sim, ter seus vícios. Claro, ue um homem deve, sim, ter seus var a vontade de morrer para atender aos seus caprichos et estes não precisam (e não devem) ser destrutivos, mas tornei-me fiel seguidor da ideia de que ter algo material tão enraizado em nossas vidas é extremamente positivo. Como não sou fã de hipocrisias eu mesmo descobri meu vício: o futebol.

Sim, eu sou daqueles imbecis que gostam de assistir à série B do Campeonato Belga, que acordam de madrugada para acompanhar jogos da UEFA, que lêem a parte esportiva do jornal (que é praticamente uma Caras para homens) e discutem calorosamente a lei da vantagem, o impedimento duvidoso e tece comentários sobre a mãe do árbitro. Sinto muito, mulheres, mas sou daqueles caras os quais, aos domingos e quartas-feiras, sentam-se religiosamente em frente à TV, seja em casa ou num bar, bebe uma cerveja e berra como se pudesse ser ouvido pelo técnico ou pelos jogadores.

Todavia, não só de “ogrisse” vive o futebol. Certa feita me descrevi como um homem frio, mas que tende a emocionar-se com sutilezas da vida e o esporte mais popular do mundo é a maior fonte que já vi desses momentos sutis, comumente chamados de fair play (jogo limpo, jogo justo). Gosto de ver o ser humano conseguindo separar o adversário do inimigo, o lutar do guerrear, enfim, demonstrar humanidade ainda que no ápice da testosterona e no calor de uma partida intensa. Virtudes como o companheirismo, a tolerância e o respeito mútuo sendo exercidas ferrenhamente dentro de campo levam meus olhos às lágrimas e é justamente sobre um caso desses que passo a relatar...

Como tarado por futebol estava assistindo a uma partida que, se for analisar pela lógica, não tinha nada a ver comigo: Fluminense x Grêmio. Sou flamenguista, os jogos que me interessam de fato são os referentes à base da tabela, não ao topo. Mas como razão e paixão não se comunicam com muita facilidade eu optei por assistir ao jogo. Felizmente.

Pois bem, quem acompanha futebol sabe que o Tricolor Carioca tem um jogador (que apesar das críticas a ele considero bom) chamado Washington e que o mesmo está a nove partidas sem fazer gol, o que deve ser uma pressão fudida, haja vista que ele é atacante e é basicamente isso que um atacante faz: coloca a bola dentro da rede. Seria tipo um goleiro ficar por nove jogos sem fazer uma defesa, frustração total. Eis o cenário: segundo tempo, Washington, brasileiro, recebe a bola e chuta em direção ao gol. Por questões de centímetros a mesma iria para a linha de fundo mas Conca, argentino, corre em direção à meta adversária e finaliza. Gol do Fluminense. O público vai ao delírio, aplaudindo Conca que faz um sinal de negativo com a mão e aponta Washington, que é ovacionado pelos demais membros da equipe.

Naquele momento não haviam rivalidades. Não existia guerra de orgulho. Não existia Brasil x Argentina. Eram duas pessoas que lutavam por um objetivo comum. Assim como não havia flamenguista x tricolor, pois comemorei o gol do Fluminense, não pelo time em si, mas pelo ato do meia-atacante argentino. Fiquei pensando que era realmente uma pena Israel e Palestina não resolverem suas diferenças em campo, assim como chechenos e russos, tutsis e hutus e etc... como o mundo seria melhor se todos os problemas fossem resolvidos entre quatro linhas, dentro de noventa minutos, com clima de amistoso e tensão de final.

Ainda tenho fé de que um dia a humanidade trocará o fuzil pelas chuteiras e as trincheiras pelo gramado. Esperança de que o ser humano terá a capacidade de aplaudir um adversário e reconhecer uma vitória justa. Nesse dia provavelmente a palavra inimigo será banida do vocabulário dos homens e só será usado o termo adversário. Todavia, enquanto esse dia não chega, limito-me a celebrar os pequenos momentos de pureza que o futebol é capaz de me proporcionar. E vivo desse vício com a expectativa de passar tempo o bastante na Terra para ver meu sonho se tornar realidade.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Aposentadoria de Malandro

É sabido que malandro tem vez que ama
Buscando deixar sua mulher risonha
Não passa nem pela porta da zona

E dizem que perde grana pra otário
Malandro quando está apaixonado
Fica burro, anda desengonçado

Não bebe e nem fuma ao baixar no terreiro
Malandro encantado, moça, não tem jeito
Acha que tudo foi por Deus bem feito

Malandro pensando em um só rabo de saia
Não erra, não pondera, não comete falha
Pra sua mulher não ir embora de casa

Malandro quando está compromissado
Deixa no bar seus dados viciados
Sua navalha e seu carteado

Pra envelhecer, moça, ao teu lado
Malandro até se imagina casado
Com filho e sempre sossegado

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Tema: A Menina da Primeira Fila

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, mas só porque ela vai ser capaz de reconhecer que este é um texto construído como uma poesia em prosa. E só o faço por outros zil motivos, torpes e toscos, alguns dos quais passo a transcrever abaixo.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira por ela volta e meia aparecer com uma trança embutida no meio do seu cabelo dourado, a qual me faz imaginar durante quase um tempo inteiro de aula (aquele no qual, aparentemente sem razão, eu fiquei calado com aquele ar de quem olha mas não vê) quanto tempo demorou para deixar o cabelo daquela forma. E fico, também, pensando em formas de elogiar sem parecer que estou dando em cima, até porque para isso já bastam os demais homens do mundo, que parecem todos interessados nela, mas poucos aproveitam a oportunidade de verdadeiramente conhecê-la ou adivinhar seus traços como eu, mero observador e poeta, tento fazer agora.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, a qual guarda um lugar para a amiga, mas não faz dessa amizade uma ilha. A menina que tem sorriso fácil e uma gargalhada que só pode ter sido aprendida em Pasárgada, da tal mulher que o poeta quer na cama que ele escolher. Componho versos toscos e corridos e quase sem fôlego digo que fiquei realmente impressionado com aquela aula em especial na qual descobri que ela era uma das poucas que cantava as letras de Chico Buarque sem errar (quase) nada.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, só por achar que tem, como eu, poesia na alma e por considerar um desperdício sua falta de vontade em fazer disso sua profissão, carreira, vida. E só falo porque tenho medo de ver tantas letras bem desenhadas e cuidadosamente traçadas, em busca da exposição mais perfeita de uma ideia, sendo usadas no futuro para algo tão banal quanto a legislação vigente na Pátria em que vivo, a qual só não é mais insuportável por causa de pessoas como ela.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, porque acho que ela fica bem ali sentada e porque de vez em quando ela olha pra trás e quase observa o rapaz que senta lá pela terceira ou quarta fileiras, ora em uma, ora em outra, e já se pegou imaginando como ela ficaria com uma fita no cabelo, ou uma flor, ou mesmo uma tiara feita de prata e brilhantes, descendo de uma carruagem de abóbora e depois correndo esbaforida para, propositalmente, deixar um sapato de cristal para trás.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, do lado esquerdo da classe, e olha vividamente para o quadro branco, aprendendo tudo o que pode por achar que sua tarefa de passar no vestibular seria capaz de fazer Hércules, Aquiles e Odisseu parecerem crianças mimadas as quais não sabem o verdadeiro significado da palavra desafio.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, porque sei que ela será capaz de enxergar que o início de cada verso desse texto forma um paralelismo sintático e isso a fará feliz por perceber que todos seus esforços valerão a pena na hora de encarar aquelas malditas questões infinitas as quais tentam enfeiar essa língua tão bela que temos, cuja qual deveria servir apenas para tecer elogios e descrever paisagens bucólicas, como tentaram fazer os árcades.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, só porque sempre que vejo alguma outra menina, a qual provavelmente não senta na primeira fileira de lugar algum, se descrever como “a maçã no topo da árvore” eu lembro dela e ponho-me a rir dos tais outros homens do mundo os quais tentam alcançá-la e mesmo que a alcancem não se mostram capazes de segurá-la com firmeza. E tal qual Newton limito-me a sentar à sombra dessa macieira chamada Acaso e sigo com meus estudos e pensamentos e filosofias e palavras tortas por linhas ainda mais tortas.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira pelo simples motivo dela ter me inspirado a escrever um texto longo e o qual eu nem vou revisar com medo de mudar alguma coisa e desconstruir todo o sentido que, querendo ou não, coloquei por trás de cada palavra. Escrevo também porque talvez um dia eu vá escrever tão bem quanto Clarice Lispector e alguma frase escrita por mim num raro surto de genialidade pode vir a ser utilizada quando ela for se descrever numa página de relacionamentos qualquer.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira não por querer tê-la para mim, mas por achar que ela merece ser querida, virtude tão rara de ser encontrada por aí. Porque sei que ela vai implicar com meu cigarro e a partir daí eu poderei puxar um assunto qualquer sobre trivialidades naquele espaço de tempo infinito em que um ônibus demora pra chegar...