terça-feira, 19 de novembro de 2013

Ballet Cósmico

Certa feita a Terra parou (pelo menos para mim). Foi por alguns segundos apenas, provavelmente o resto da Humanidade sequer notou – com exceção dos astrônomos, que enlouqueceram. Ficou imóvel, uma rocha boiando inerte na imensidão vazia do Universo, durante aqueles breves segundos que separam uma pergunta de uma resposta.

Provavelmente esse tempo perdido, esses segundos eternos, será corrigido num próximo horário de verão. Dizem que é para economizar energia elétrica. Balela. O horário de verão foi criado justamente para dar essa margem para os corações que se inflamam a medida que a Terra, paralisada, aproxima-se do Sol.

Do momento em que a Terra parou até o dia de hoje muitos fenômenos astrofísicos ocorreram. O tempo desacelerou e acelerou diversas vezes (deixando Einstein orgulhoso). A gravidade ora mostrou-se serena como a lunar, outras implacável como a de Júpiter (incríveis 22,88 m/s²) ao passo que as decisões iam se tornando mais brandas ou severas e que as consequências me esbofeteavam ou acariciavam.

Foram dias intensos. Nas praias de Copacabana, no Observatório Nacional, no Planetário da Gávea, na NASA. Na minha cama. Nunca esteve tão vazia e tão quente ao mesmo tempo. Ela e meu espelho decidiram ter uma conversa comigo. Dizem que eu não sou mais o mesmo, que sentem falta do meu velho eu. A pergunta é: eu sinto?

Caso sinta, onde encontra-lo? Provavelmente está explorando algum outro Universo desconhecido pra mim. Enquanto me dedico ao máximo para conhecer uma só galáxia, me adaptar a novas atmosferas, ele segue livre pelo espaço. A pergunta é: vale a pena estar perdido no vazio frio e escuro só para gabar-se de não ter amarras?

Já se passou um tempo desde que a Terra parou pra mim. Hoje, pelo que vejo, ela segue seu giro inexorável, como uma bailarina indiferente à torturante ponta da sapatilha ou ao olhar crítico do respeitável público. Ela segue girando sobre risos e pratos, desesperos e esperanças, conflitos e reconciliações. 

Francamente, não espero que ela vá parar novamente, ao menos para mim (se aspiro, ou não, é outro conto). Provavelmente me juntei ao resto da Humanidade que sequer nota quando o espetáculo se encerra e que precisa ser alertado pelos companheiros de plateia para saber quando aplaudir sem saber exatamente ao que.

E essa perspectiva da Terra constantemente acelerada, gravitacional e tangencialmente, me é assustadora. Afinal de contas, o que me garante que serei acatado caso venha a dizer: pare o mundo que eu quero descer.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Conflito do Confronto

Está o inferno lá fora, minha cara. Enquanto erguemos nossas taças tem PM erguendo cassetetes e Black Blocs erguendo frágeis escudos de tapume. Alguns chamarão a confecção desses artefatos de defesa de "vandalismo".

Enquanto essa rádio nos embala suavemente, tem gente lá fora gritando palavras de ordem. Tem tiro (munição real, inclusive), tem bomba, tem grito, tem choro. Mas nada disso chegará até o nosso mundo, construído ao longo da noite, dentro do seu apartamento.

Estranho saber que ao mesmo tempo que respiramos um o perfume do outro tem pessoas sufocando em nuvens tóxicas levantadas pelo Estado com os tributos pagos por todos nós. Mas nada irá entrar pela janela, fechada para "não entrar o barulho da rua", quando na verdade é para incomodarmos menos os vizinhos.

Ao mesmo tempo em que degustamos todos os detalhes perfeitos desse jantar, temos nas ruas irmãos e irmãs que estão com o gosto do próprio sangue na boca. Talvez um ou outro se afogue.

Nesse instante em que nos enlaçamos nos braços um do outro tem combatente sendo algemado e posto em camburão, com destino sabe-se lá para onde, sob pretextos absurdos ou nulos. Contudo permanecemos aqui, presos apenas um ao outro. Voluntariamente.

Ao passo que a hora avança e vislumbramos um belíssimo futuro juntos, tiveram aqueles que se expuseram a penas de 3 a 44 anos de cadeia por todos nós - eu e você inclusive. Talvez o amanhã deles não seja tão vibrante quanto o nosso.

Todavia, essa noite, nada que ocorre além dessas paredes me importa. Essa noite, e na manhã seguinte, troco a guerra pela paz, o ódio pelo amor, o caos pela ordem, o distúrbio pela serenidade. Hoje não é meu dia no front. Hoje não tenho um inimigo.

Mas só hoje.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Sobre Deus, o Pecado e o Homem.

Pergunto-vos: condenais o tigre por que ruge? Ou o rebento por que chora? Ou o vento por que gela? Ou o mar por que se agita? Ou o sol por que nasce (e morre)? Ou o coração por que explode?

Então por que condenais o homem que peca? Tal qual definimos que o som do tigre é um rugido, o do rebento é um choro, que o toque do vento é gélido, que o movimento do mar é agitado e que o ciclo do sol é uma diuturna morte-e-ressurreição, também não definimos que tal ou qual coisa é o pecado?

E vos pergunto, pois, quem nos deu autoridade sobre a Natureza para determinar a natureza das coisas, dos atos, dos pensamentos? Que força foi essa que delegou a um concílio o poder de definir quais as ações que, exercidas por qualquer homem, lhes valeria a alcunha de pecador? A inspiração divina, muitos diriam.

Pois o que determina o pecado? Será a negação da natureza humana o meio necessário para se alcançar o toque do Criador? Se crês que Deus definiu a natureza das coisas - ou delegou a homens o poder de fazê-lo de acordo com a Sua vontade - não seria Ele sádico por imputar ao homem a pré-disposição ao pecado só para vê-lo condenado por Ele e pelos seus pares que negam com afinco e demência o que é de sua natureza?

Não poderia Deus fazer o tigre mudo, o rebento silencioso, o vento quente, o mar sereno e fixar o Sol no céu? Não poderia Deus fazer com que o homem fosse isento do pecado? Se não poderia fazê-lo, o que dá a esse ser o status de Deus? Se pode fazê-lo e não o faz, o que dá a esse Deus o status de divino? 
Será do gozo de Deus soprar a vida nos pulmões do homem somente para vê-lo numa infrutífera luta contra si mesmo, apenas para agradá-Lo?

Daria Deus ao homem somente as escolhas de renegar sua natureza - e assumir o aspecto do tigre que, enjaulado, não
 mais urra - ou abraçá-la para ser por Ele condenado a uma danação? É congruente com a natureza de um ser que é dito ser a mais pura manifestação do Amor condenar um homem por agir da forma como Ele o fez?

Seria aprazível para uma Inteligência Suprema observar suas criaturas, as quais Ele (segundo os que interpretam Suas palavras) jura amar, revirar-se em cólicas e provações e conflitos inerentes também à natureza que lhe foi imputada, apenas para caminhar em direção a um aspecto divino que lhe é inalcançável?

Não deveria, pois, esse ser amar a sua criação da forma que Ele a fez, permitindo-os ser felizes com os poucos gozos que a Terra tem a oferecer, sendo observado apenas o respeito à felicidade dos demais ocupantes do planeta? Se for do plano de Deus que suas criaturas evoluam, por que não as fez livres do pecado e da natureza bestial? Estaria além da Sua competência criar algo que se assemelhasse a Si? Teria ciúme ou receio do homem, munido de um aspecto divino, tomar para si o caráter de criador e definidor da natureza das coisas? 
Considerando que Deus existe, que é divino, que nos ama e que merece ser por nós louvado, por que nos amparamos em escrituras que servem para limitar a felicidade daqueles que caminham sobre a face da Terra?

Por que não podemos entender, por exemplo, as palavras do Cristo com a mesma racionalidade que encaramos as de Kafka, Kant, Nietzsche? Por que é condenável que um homem questione sua natureza e, por consequência, seu criador se dentre os poucos dons dados à humanidade por Ele consta o da Razão?

Seria necessário para esse ser divino que seja por nós idolatrado? Sendo assim, onde está a pureza de seu Amor? Sendo assim, onde está sua eximição dos pecados que condenam em Seu nome? Sendo assim, por que seria Ele digno de adoração?


Em verdade, em verdade vos digo que se há um Deus o que Ele espera de sua criação é que seja próspera e feliz, portanto não devemos temer ao pecado, devemos recear apenas por aquilo que fazemos aos nossos irmãos e irmãs. Devemos nos ater a amar e lutar pela possibilidade de que todos possam fazê-lo, independente da natureza desse amor e de quais são as partes envolvidas nesse afeto.

Em verdade vos digo que se há um Deus digno de ser classificado como divino ele deve entristecer-se ao ver sua criação complicar tanto os seus planos ao invés de simplesmente seguirem suas vidas sem ter suas ações balanceadas pelo fato d'Ele existir ou não. Que o tempo que perdes colocando o joelho em terra para adorá-Lo poderia ser utilizado para amar o seus próximo como a si mesmo, que o dízimo que dás poderia ser utilizado para aplacar a sede, a fome, o frio e a dor daqueles que se encontram ao seu lado.

Em verdade vos digo que se há um Deus que é puro Amor não seria de Sua natureza ser adorado e que Sua felicidade só poderia ser alcançada ao ver suas criaturas livres e prósperas - e isso não é possível tendo amarras à mente como o conceito banal de pecado.