quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Tema: A Menina da Primeira Fila

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, mas só porque ela vai ser capaz de reconhecer que este é um texto construído como uma poesia em prosa. E só o faço por outros zil motivos, torpes e toscos, alguns dos quais passo a transcrever abaixo.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira por ela volta e meia aparecer com uma trança embutida no meio do seu cabelo dourado, a qual me faz imaginar durante quase um tempo inteiro de aula (aquele no qual, aparentemente sem razão, eu fiquei calado com aquele ar de quem olha mas não vê) quanto tempo demorou para deixar o cabelo daquela forma. E fico, também, pensando em formas de elogiar sem parecer que estou dando em cima, até porque para isso já bastam os demais homens do mundo, que parecem todos interessados nela, mas poucos aproveitam a oportunidade de verdadeiramente conhecê-la ou adivinhar seus traços como eu, mero observador e poeta, tento fazer agora.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, a qual guarda um lugar para a amiga, mas não faz dessa amizade uma ilha. A menina que tem sorriso fácil e uma gargalhada que só pode ter sido aprendida em Pasárgada, da tal mulher que o poeta quer na cama que ele escolher. Componho versos toscos e corridos e quase sem fôlego digo que fiquei realmente impressionado com aquela aula em especial na qual descobri que ela era uma das poucas que cantava as letras de Chico Buarque sem errar (quase) nada.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, só por achar que tem, como eu, poesia na alma e por considerar um desperdício sua falta de vontade em fazer disso sua profissão, carreira, vida. E só falo porque tenho medo de ver tantas letras bem desenhadas e cuidadosamente traçadas, em busca da exposição mais perfeita de uma ideia, sendo usadas no futuro para algo tão banal quanto a legislação vigente na Pátria em que vivo, a qual só não é mais insuportável por causa de pessoas como ela.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, porque acho que ela fica bem ali sentada e porque de vez em quando ela olha pra trás e quase observa o rapaz que senta lá pela terceira ou quarta fileiras, ora em uma, ora em outra, e já se pegou imaginando como ela ficaria com uma fita no cabelo, ou uma flor, ou mesmo uma tiara feita de prata e brilhantes, descendo de uma carruagem de abóbora e depois correndo esbaforida para, propositalmente, deixar um sapato de cristal para trás.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, do lado esquerdo da classe, e olha vividamente para o quadro branco, aprendendo tudo o que pode por achar que sua tarefa de passar no vestibular seria capaz de fazer Hércules, Aquiles e Odisseu parecerem crianças mimadas as quais não sabem o verdadeiro significado da palavra desafio.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, porque sei que ela será capaz de enxergar que o início de cada verso desse texto forma um paralelismo sintático e isso a fará feliz por perceber que todos seus esforços valerão a pena na hora de encarar aquelas malditas questões infinitas as quais tentam enfeiar essa língua tão bela que temos, cuja qual deveria servir apenas para tecer elogios e descrever paisagens bucólicas, como tentaram fazer os árcades.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira, só porque sempre que vejo alguma outra menina, a qual provavelmente não senta na primeira fileira de lugar algum, se descrever como “a maçã no topo da árvore” eu lembro dela e ponho-me a rir dos tais outros homens do mundo os quais tentam alcançá-la e mesmo que a alcancem não se mostram capazes de segurá-la com firmeza. E tal qual Newton limito-me a sentar à sombra dessa macieira chamada Acaso e sigo com meus estudos e pensamentos e filosofias e palavras tortas por linhas ainda mais tortas.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira pelo simples motivo dela ter me inspirado a escrever um texto longo e o qual eu nem vou revisar com medo de mudar alguma coisa e desconstruir todo o sentido que, querendo ou não, coloquei por trás de cada palavra. Escrevo também porque talvez um dia eu vá escrever tão bem quanto Clarice Lispector e alguma frase escrita por mim num raro surto de genialidade pode vir a ser utilizada quando ela for se descrever numa página de relacionamentos qualquer.

Escrevo para a menina que senta na primeira fileira não por querer tê-la para mim, mas por achar que ela merece ser querida, virtude tão rara de ser encontrada por aí. Porque sei que ela vai implicar com meu cigarro e a partir daí eu poderei puxar um assunto qualquer sobre trivialidades naquele espaço de tempo infinito em que um ônibus demora pra chegar...

2 comentários:

  1. A mistura de pessoas ratifica a ideia explicitamente colocada em "o qual eu nem vou revisar com medo de mudar alguma coisa e desconstruir todo o sentido que, querendo ou não, coloquei por trás de cada palavra".
    É um dos textos mais puros que já li!

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