terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Carta para a Moça de Humanas

Você provavelmente já leu textos melhores do que esse; seja porque você se cerca de diversos autores, seja porque você deva inspirar muitas cartas como essa.

Que eu te amo, todo mundo sabe. É perceptível que quando teu perfurme irrompe no corredor eu me perco nos logaritmos. Só não me escapam a geometria e a trigonometria pois me ajudam a desenhar melhor teu rosto e formas na minha mente. De vez em quando me pego até mesmo permutando todas as combinações possíveis de um futuro com você.

Não, moça. Essa carta é para te pedir desculpas por não ser o cara descolado do lual.

Eu te falei do conceito de anos-luz enquanto olhávamos as estrelas e você ficou encantada. Te disse que, naquele momento, observávamos o passado - como o faz aquele rapaz que você tanto admira. Talvez tenha sido aí o nó: desde já eu deveria ter deixado claro que estava sendo literal e não metafórico. Quem sabe você esperasse menos magia.

Fiz alguma palhaçada aquela noite e você riu. E sua risada produziu um disparo de mil hormônios na minha corrente sanguínea numa composição tão única que me viciou em algo tão específico quanto a risada de uma, e somente uma, pessoa. Era como comer chocolate tendo um orgasmo vendo aquele gol de falta do Petkovic.

E a sensação era boa, então eu desejei que você sentisse o mesmo. Tal qual Pavlov, busquei associar ao seu cérebro a ideia de que me ter por perto era motivo para rir, sorrir, ser feliz. Quis preparar na tua bioquímica um coquetel tão delicioso e único quanto você o fez no meu.

Mas você não dá valor ao gol do Petkovic. E talvez tenha sido aí o nó: eu deveria ter deixado claro que também tenho as minhas paixões. Quem sabe você me considerasse mais humano.

Eu fui deixando teu hálito bom e tua saliva doce erodirem as grossas camadas que me envolviam e você viu uma parte nova de mim - que há tempos eu mesmo havia esquecido que estava lá. Então eu sentei e escrevi um ensaio sobre As Razões Fundamentais Para Eu Te Amar e Querer Aumentar a Já Saturada População da Terra Junto a Ti.

Mas você queria a cena da sacada de Romeu & Julieta. E talvez tenha sido aí o nó: eu sempre achei esse romance uma história besta de dois adolescentes teimosos que morrem em uma situação perfeitamente evitável. Quem sabe você entendesse que pragmatismo salva vidas.

Eu queria aproveitar essa carta para dizer, moça que eu...

...não medito ao sol e digo "Namastê" ao mundo, mas me preocupo com a sua produção de vitamina D e com os efeitos da exposição de longo prazo à radiação ultravioleta. Porque tudo que tange você em minha mente tem que ser trabalhado no longo prazo.

...não abraço as tuas lutas sociais, mas me preocupo em saber como funcionam as regras do mundo para tentar influenciá-lo de alguma forma e se critico a tua luta é por não querer vê-la caindo no lugar-comum do ridículo e ver você perdendo tanta coisa que já conquistou. Porque eu busco ser a razão sentada ao seu ombro, já que você é a paixão repousada em meu coração.

...não te levo café da manhã na cama, mas me preocupo em fazer o controle de estoque da dispensa para que você não fique sem comida numa manhã qualquer em que você acorde particularmente de mau humor ou atrasada ou ambos. Porque minha meta é antecipar as tuas necessidades reais e para isso nem sempre eu posso ficar atendendo expectativas.

Eu te peço desculpas por não ter a barba de lenhador, o coque samurai, o corpo atlético, a alma de militante, a mente de poeta.

A barba é desgrenhada, o cabelo é aqueles caos, o corpo está sempre lutando contra um percentual de gordura, a alma é de conservador, a mente de engenheiro.

Eu te peço desculpas porque eu vou sempre escolher entre fazer o que precisa ser feito, dizer o que precisa ser dito, consertar o que precisa ser consertado. Mesmo que isso frustre expectativas.

Porque isso, para mim, é mais do que amor. É amar.

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