segunda-feira, 17 de maio de 2010

Mortuário

Morreu um romântico. Chora, Chico, assim como o fez por Vinícius. Morreu um romântico e nosso mundo, o do sentir, tornou-se mais silencioso e frio. Morreu calado, tornando sua morte vã.

Tal qual Brás Cubas, morreu numa sexta-feira. Era poeta embora há muito não escrevesse; quando tentou voltar a fazê-lo passou pelo entrave natural das relações que se reconstroem e acabou, por timidez, deixando seus assuntos para lá. Grande erro.

>A causa mortis é conhecida: inchaço no peito, diagnosticado por um nó na garganta e falta de ar. Fora vítima do tempo e das distância e de seus parcos recursos e de sua ínfima coragem. De tanto deixar para lá, acabou sufocado pelas próprias palavras que gostaria de dizer, berrar, uivar.

Toma mais um grau, compadre, que só piora, pois o poeta morreu, também, de tédio. Cansou-se de esperar a mulher certa e das mãos atadas para conquistar as que já o haviam cativado. Entediou-se de tanto ouvir conselhos e poréns.

Sua condição teve diversos agravantes, tanto que morreu sem bater as botas. Aliás, o tiro de misericórdia foi o adeus dado ao mais romântico dos seus sonhos. Como diria outro poeta pelo qual lamentar: Sonhava ao fim do dia, ao lhe descer cansaço, com as fardas mais bonitas desse meu país.

Foi, também, vítima de seus vícios. Tentou afogar cada uma das palavras. Tinha a parca esperança de empurrá-las para dentro de si e lá deixá-las. Bebia enquanto compartilhava com os conhecidos aventuras que para ele nada significavam; depois segredava aos amigos sobre desventuras as quais muito lhe marcavam.

Morreu numa Sexta-Feira de Paixão - numa das tais aventuras insignificantes. Gozou, suspirou e morreu. Eutanásia compulsiva.

Levou consigo seus pecados, sonhos, paixões e amores. Só suas palavras, as tais que o mataram, seguem por aqui para nos ensinar e inspirar vez ou outra.

Que ele descanse em paz enquanto torcemos pela Páscoa.

2 comentários:

  1. Filho,
    Você me emociona sempre! Te vi nesse poeta, revivi os teus sonhos, que não morreram, mas sim adormecem; pois a vida carrega sempre grandes emoções e prazeres futuros... e lá, que esse gigante "acometido pela metafórica morte", há de se reerguer, ao conhecer pela frente novas razões para, tal qual a Fênix, renascer das cinzas.
    Te amo, meu poeta!

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  2. Gabriel, vi no seu romantico que morreu o mesmo homem que com sua morte atrapahou o tráfego, o público e o sábado. Seu romantico me levou a pensar na mulher que ele beijou, no filho que deixou, mas também nos pecados, sonhos, paixões e amores que levou consigo.
    Poeta, sou-lhe grata por fazer-me refletir sobre meu epitáfio.

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